Cultura e ancestralidade: Projeto escolar busca preservar tradições culturais quilombolas na zona rural de Afogados da Ingazeira




Em Afogados da Ingazeira, no Sertão do Pajeú, a 370 quilômetros da capital pernambucana, Recife, a Escola Municipal Levino Cândido acolhe o projeto de resgate e valorização das tradições culturais da vizinha comunidade quilombola do Leitão da Carapuça. A instituição de ensino, que fica distante 18 quilômetros da área urbana, atende principalmente filhos e filhas de agricultores e quilombolas, totalizando 154 estudantes, da educação infantil aos anos finais do ensino fundamental. Por meio da realização de aulas de música e coco de roda, busca contribuir para a transmissão de saberes populares regionais e a formação das novas gerações para atuarem nas manifestações culturais, especialmente a Banda de Pífanos e o Grupo de Coco de Roda Negros e Negras do Leitão.

A coordenadora Joana D’Arc de Oliveira, responsável pelo projeto, explica que a ideia surgiu a partir de um estudo na localidade, junto com os alunos e alunas. “A pesquisa evidenciou um cenário de resistência das novas gerações em relação à cultura quilombola. Identificamos não só a dificuldade de passar para as novas gerações, como também que havia a falta de interesse dos jovens em manter viva a cultura”, destaca. 
Segundo Silvana Beserra, gestora da escola Levino Cândido, a cultura do pife estava se perdendo, pois nenhum dos alunos da instituição sabia tocar. A prática de tocar o pife (também conhecido como pífano), um instrumento musical de sopro que parece uma pequena flauta, junto com outros instrumentos, a exemplo da zabumba, fazia parte da cultura tradicional dos povos remanescentes de quilombos no Leitão da Carapuça; havia uma banda formada por moradores dessa região, que produziam os pífanos e faziam apresentações na comunidade ou em eventos próximos. Em conversa com moradores da comunidade quilombola do Leitão, soube que os componentes mais antigos da Banda de Pífanos faleceram e não haviam ensinado às novas gerações. Diante da situação, prontamente a comunidade escolar se mobilizou para mudar essa realidade. “Daí vimos a necessidade de implantar na escola oficinas que pudessem valorizar essa cultura, tão forte em outros tempos”, lembra Joana. 
Após a fase inicial de pesquisa, foram realizadas visitas à comunidade quilombola do Leitão no primeiro semestre de 2022, como forma de incentivar professores e estudantes a conhecer a história da comunidade por meio de relatos dos povos remanescentes de quilombos. Em seguida, vieram o planejamento e uma seleção a partir do interesse dos estudantes; concluída essa etapa, a unidade de ensino buscou apoio da Secretaria de Educação de Afogados da Ingazeira. “Tivemos uma conversa com a secretária de Educação para que nos apoiasse e não demorou para que tivéssemos resposta. A escola de música do município nos fez uma visita e abraçou a causa”, detalha Joana. 
As aulas práticas começaram em maio do ano passado e, através de parceria com a escola municipal de música, a realidade está mudando. “A chegada desse projeto a nossa escola, através da Escola de Música Bernardo Delvanir Ferreira, nos deixou muito contentes, uma vez que oportuniza o resgate dessa cultura e consequentemente a valorização da identidade de uma comunidade, de um povo”, pontua Silvana.

O projeto de música atende dezenas de alunos e alunas do 3° ao 5° ano (turno da manhã) e do 6° ao 9° ano (turno da tarde), com aulas quinzenais ministradas pelos professores Edinho (manhã) e Cacá Malaquias (tarde). Para o professor Cacá, a contribuição do projeto é de alta relevância porque a região tem muitos descendentes de quilombolas.

“Por isso estamos incluindo elementos importantes como o pife, a dança e vários instrumentos de percussão como zabumba, ganzá, pandeiro, tarol e triângulo, instrumentos usados tanto na banda de pife como no coco de roda. Vamos agregar também a música vocal, muito presente na dança do coco”, relata. “O desafio é fazer com que os alunos entendam a importância de sua cultura e a influência de outros estilos a que eles têm acesso através do celular, das redes sociais e aplicativos.”

Estudantes e o Grupo de Coco do Leitão também já se apresentam em eventos locais. “Sempre que há eventos aqui ou de que a escola participa convidamos o grupo; no último ano eles estiveram presentes em nosso arraial, na culminância do nosso projeto de leitura e no desfile cívico do Sete de Setembro. Contamos com a participação de muitos membros nesses eventos, como forma de valorização do grupo”, detalha a gestora Silvana.

A iniciativa da Escola Municipal Levino Cândido mostra a importância do engajamento coletivo para valorizar e preservar as tradições culturais. Ao incentivar o aprendizado da música e da dança do Leitão da Carapuça, contribui para a formação de cidadãos e cidadãs conscientes de sua identidade cultural, capazes de valorizar, respeitar e propagar a diversidade cultural brasileira.

Texto: Anderson Santana, Rede Galápagos, Recife (PE) - Banco Itaú 

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